A Invisibilidade do Abuso Masculino e O Duque e Eu / Série Os Bridgertons [+18]

Em O Duque e Eu somos apresentados a família Bridgerton e o seu mal gosto de nomear os filhos de acordo com a ordem alfabética e ordem de que nasceu, então o primeiro filho começa com a letra A, o segundo com a letra B e assim por diante. Não seria tão ruim se fosse uns quatro filhos, mas os Bridgertons escolheram ter oito.

Neste primeiro livro conhecemos Daphne, a primeira filha que está em temporada em Londres e a primeira que está para se casar, já que seus irmãos, Anthony- o libertino, Benedict- o artista e Colin- o irresponsável, não se veem em uma vida com as responsabilidades do matrimônio.

Enquanto enfrenta a sociedade em busca de um bom partido, Daphne também tem que tomar cuidado com Lady Whistledown, maior fofoqueira e especialista em cutucar as feridas dos nobres que vão aos bailes de Londres. Aí entra Simon, o duque e melhor escolha entre as jovens para se casar.

Para chamar a atenção de pretendentes, Daphne faz um acordo com Simon de fingirem se cortejar, assim ela conseguiria o que queria e o duque seria poupado de ser perseguido pelas jovens querendo se casar com ele.

E essa é a história de O Duque e Eu, um romance de época com uma narrativa fluída e um romance clichê. E aqui acaba meu elogio sobre o livro, porque ele apresenta uma situação deplorável e que muitos pretendem varrer para baixo do tapete, o Estupro de um homem. A seguir contém spoiler e gatilho para estupro/abuso.

O grande dilema de O Duque e Eu é: Simon não queria ter filho por causa de uma infância traumática e um problema de fala que tem, Daphne queria uma família gigante como a dela.

Simon se aproveita da ignorância de Daphne para falar que não pode ter filho, mas depois ela descobre a verdade e os dois brigam. O duque apaixonado por sua duquesa, se embebeda uma noite e vai pedir que ela não o abandone, eles dormem (só dormir mesmo) juntos e no meio da noite Daphne acorda e acaba estuprando o Duque.

"-Ah, meu Deus!- ele deixou escapar de repente, com voz rouca e primitiva de desejo.- Eu vou... eu não posso...

Os olhos dele se fixaram nela com uma expressão estranha e suplicante, e ele fez uma tentativa de se afastar.

Daphne o segurou com toda a sua firmeza.

Então ele explodiu dentro dela, com a intensidade do orgasmo fazendo seus quadris se erguerem da cama, empurrando-a junto. Ela colocou as mãos embaixo dele, usando toda a força para segurá-lo embaixo dela. Não o perderia desta vez. Não deixaria passar esta chance." (trecho retirado do livro O Duque e Eu, Julia Quinn, editora Arqueiro)

Então até aí Daphne se aproveitou do Duque por estar bêbado, usa sua força para impedi-lo de cessar o ato e controla a reprodução dele (que muitos não sabem, mas é uma forma horrível de abuso, a pessoa que pratica o abuso força um filho com o outro para prendê-lo no relacionamento).

"[...] Abriu a boca para xingá-la, para castiga-la por traí-lo, por tirar proveito dele, mas estava com a garganta apertada e a língua inchada, então não conseguiu articular uma palavra." (trecho retirado do livro O Duque e Eu, Julia Quinn, editora Arqueiro)

E após o ato da duquesa, Simon ainda tem um ataque de pânico.

E o que acontece depois disso?

A autora faz toda uma situação em que Simon ainda pede perdão - forçado pela família dela, por ela e pelos sentimentos que tinha para Daphne- por não ter aceitado os abusos dela,

E os fãs (brasileiros, porque não sei como são as estrangeiros)?

De maioria feminina você poderia imaginar que elas teriam um acolhimento do personagem, pois mulheres sofrem esse risco diariamente. Mas não, elas passam pano e dizem que Simon queria e sentiu prazer (uma das culpas da vítima de estupro é sentir prazer, pois elas acham que é um sentimento racional ao invés de intuicional, afinal o agressor atinge locais de prazer). E como você pode ver acima o NÃO dele com certeza é um positivo (leia com sarcasmo).

Foi lançada a série Os Bridgertons pela Netflix e a autora do livro, Julia Quinn, já estava arrependida de ter escrito essa cena e por isso eles adocicaram a situação. Então, mesmo péssimo, muito péssimo, não é tão horrível como o livro.

Para aqueles que entendem um pouco de espanhol ou inglês, indico o vídeo Why Rape is Sincerely Hilarious que está no youtube.

Essa foi uma discussão bem na época que tivemos o célebre caso do estupro culposo. Afinal, se não conseguem enxergar um estupro na ficção, com apego aos personagens, como podemos esperar que a sociedade enxergue um estupro real e ter o mínimo de empatia com as vítimas?