Relatos do Mundo e a Adaptação Humana
- Bruno Roque
- 21 de jul. de 2021
- 2 min de leitura
Fiz uma crítica breve no nosso Instagram sobre o filme Relatos do Mundo (Paul Greengrass), faroeste lançado no início do ano na Netflix. Porém, o filme desprende análises e reflexões mais interessantes que vou expressar neste texto.

Na adaptação do livro de mesmo nome da autora americana Paulette Jiles, Greengrass escolhe de forma surpreendente o Western como cenário para uma narrativa sobre divisões políticas e adaptação humana. O ambiente é o derrotado sul estadunidense, onde Tom Hanks vive o veterano Capitão Kidd, que viaja entre as cidades desgraçadas pelo fracasso na Guerra da Secessão, lendo as principais notícias da nação para seus cidadãos. Kidd é um primeiro exemplo da adaptação humana, um veterano confederado que atuou diretamente nos conflitos e por isso se afastou de todo seu passado, demonstrando sutilmente seu arrependimento e buscando em seu novo objetivo, contar as histórias e notícias, a fuga das confusões. A própria jornada lendo notícias serve de alegoria para a essencial busca por informação, que observamos hoje como indispensável na recondução da união. Um paralelo explícito com as Fake News.
O Capitão enfim encontra Johanna, interpretada pela talentosa atriz-mirim alemã Helena Zengel, garota de origem alemã sequestrada pela tribo Kiowa. A jovem é a personificação mais evidente da adaptação humana no longa, principalmente por ser uma criança. Fica clara as relações afetivas construídas com o povo que lhe deu abrigo e noção de vida. Embora branca, Johanna é uma aborígene, fala como os Kiowa, compartilha de suas crenças e está disposta a lutar ao lado de sua tribo. A garota tornasse um meio termo, selvagem demais para os brancos e branca demais para ser considerada uma aborígene, isso fica evidente quando Kidd a encontra, após os nativos com quem vivia terem sido massacrados e ela deixada para trás.

Essa é uma realidade na história dos Estados Unidos, jovens que se adaptavam tanto à cultura dos nativos que ao serem “resgatados” se sentiam deslocados da realidade do colonizador e muitas vezes fugiam de volta para vida que conheciam.
Eu particularmente fiquei muito encantado pela reflexão sobre adaptação humana em Relatos do Mundo e em como o momento de vulnerabilidade desses dois personagens se cruzam em uma forte aliança que resulta em cumplicidade. A narrativa é delicada em demonstrar o poder da aceitação, em como devemos estar dispostos a incluir o outro. Kidd e Johanna nem falam a mesma língua, mas o olhar de respeito e a simples disposição em entender a visão do outro cria uma conexão imensa entre os dois. É sutil em trazer um embate de culturas e gerações, uma criança e um veterano experiente, que se dispõem a entender um ao outro.
Pode ser uma visão poética e romântica sobre as relações e adaptações humanas, mas é uma obra que possibilita um estudo de nossa sociedade, com uma pitada de esperança no ser humano.
Comments